Pular para o conteúdo principal

Razões para acreditar


Coisas ruins irão acontecer. Problemas surgem, pessoas traem, oportunidades escapam. Não tem como fugir disso: viver significa estar em constante ameaça de ser jogado para fora da estrada que decide percorrer. E quando isso acontecer, você pode se deixar levar ou voltar ao seu caminho. Pode reclamar, chorar, beber, negar, evitar falar sobre o assunto, pular de bar em bar só para evitar voltar para um apartamento vazio... Ou pode assumir o controle do vazio, e o preencher com a próxima etapa da sua vida. Mesmo que não saiba qual será ainda.

Os psicólogos chamam isso de aceitação. O senso comum encara como esperança. Pessoas normais que seguem dia após dia sem se importar em procurar fazer algo diferente entre uma rotina repetida e outra, sequer pensam nisso. E quanto a mim... Talvez eu só finalmente tenha descoberto a real diferença entre ser pessimista e ser realista. O segredo está em não esperar pelo ruim constantemente. Apenas admita que a margem de erro existe. Agora, se errar fosse mesmo algo tão apocalíptico, não haveria nada no mundo. Ninguém sairia de casa a não ser para comprar mais vinho, mas aí não existiram motivos para beber vinho. A vida é feita de ciclos, no final das contas.

Algo ruim aconteceu em 2018. Não foi nem a primeira ocorrência, porque 2017 deixou uma conta aberta, e nem será a última porque ainda insisto em sair de casa à procura de novos problemas. Agora, passado algum tempo desde o último B.O, algo aconteceu comigo enquanto caminhava pela rua ao som das minhas trilhas sonoras, a caminho do mercado para comprar mais vinho: eu percebi que estava de volta. Os textos, os drinks, as risadas em bares, as conversas até altas horas da madrugada, os sábados à noite reservados para receitas e maratonas de filmes, os comentários sarcásticos em hora errada. Até a maior de todas as ironias – morar sozinho de novo – aconteceu.

Pela primeira vez em muito tempo, me senti como eu mesmo de novo. E o que aconteceu, aconteceu. Passou. Morreu. Vamos em frente, rumo ao próximo capítulo.

Aceitação não é um processo linear. Não existem padrões ou regras para te guiar enquanto passa pelas outras fases – negação, raiva, barganha, depressão. Você simplesmente reconfirma os termos de uso da vida ao levantar da cama de manhã, e sai de casa esperando pelo melhor. Você anda, corre, trabalha, brinca, ri, chora, passa calor, perde um ônibus e espera 15 minutos pelo próximo, passa no mercado e percebe que amanhã terá que ir de novo porque se esqueceu do creme de leite, chega em casa e precisa largar as compras para ir colocar mais ração para a gata que já está desesperada com o potinho vazio, finalmente vai ao banheiro, prepara algo pra comer e engole rápido porque precisa sair de novo para ir à faculdade... E quando volta para casa à noite, pensa em mais um longo dia que passou e percebe que nem se lembrou de sofrer por aquela pessoa. O que era de se esperar, já que não faz mais parte do seu dia, da sua rotina... A vida é feita de ciclos, e esse em particular acabou.

As razões para acreditar que pode dar certo com outra pessoa surgem no exato momento em que você enfim para de se preocupar com isso. É uma lição que vamos reaprendendo, relacionamento após relacionamento, até que alguém apareça para ficar. Alguém que aceite suas manias, suas infantilidades, sua noção falha de que canta bem no chuveiro, suas frescuras para comer, sua gata brava de estimação, seu jeito grosso, sua teimosia, seu egoísmo, suas mudanças de humor, sua saudade de casa, e seus traumas herdados de relacionamentos passados. Alguém que estenda a mão e caminhe contigo para onde quer que inventem ir, desde que sigam juntos.

Coisas ruins irão acontecer. E quando acontecerem, você irá descobrir o melhor das pessoas que permanecem do seu lado, durante o seu pior. E quando menos se der conta, irá reencontrar o melhor de você também. Nós nunca realmente perdemos nossas razões para acreditar; só nos esquecemos delas às vezes. Bom, eu me lembrei. E com isso, eu voltei. Já era tempo; estava com saudade de mim.

Agora só falta você, amor.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento