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Mostrando postagens de 2018

Quarenta e três dias, ou memórias póstumas de 2018

Tem sido cansativo. De todas as sensações que poderiam ficar marcadas em mim sobre este ano, talvez nada supere o cansaço. A sensação constante de que é necessário superar um obstáculo após o outro, mês a mês, até o mundo acabar. Há quem diga que ser adulto é isso – driblar os boletos de segunda à sexta, recuperar o fôlego nos finais de semana, e fingir demência sobre tudo em recessos e feriados estendidos. Eu não sei. Quanto mais os anos passam, mais tudo parece novidade pra mim. Ou passageiro. Mas em algum momento, você acaba por se perguntar quem é passageiro de fato: você ou as dificuldades. Dificuldades existem desde que o mundo é mundo. Eu causo desordem há meros 27 anos. Sei lá. Com tudo que acontece com a gente... Seja lá o que esteja acontecendo contigo, mas que não deve ser muito diferente de mim. Por mais que a gente goste de pensar que nossos sacrifícios diários sejam únicos e especiais. Independente de quem for ou aonde esteja, a ironia é a mesma para todos: a lu

Os últimos cinco anos

A última vez em que alguém me perguntou “onde você se vê nos próximos cinco anos?” foi, ironicamente, quase cinco anos atrás . E como se não fosse o bastante, eu me recordo de ter dado praticamente a mesma resposta. Só não esperava que, a essa altura, eu estaria mais distante ainda dela do que eu esperava. *** De Londrinense a Cascavelense, passando por Iguaçuense há algum tempo, existindo entre um diploma de psicólogo e uma graduação de jornalista, colecionando corações partidos – com um pódio especial para o meu – às vezes parece que as principais lições que aprendi em minhas aulas de português, sobre a importância de ser coeso e coerente, parecem ser as características mais distantes possíveis deste escritor. Felizmente este espaço ainda é meu – só meu – e não há nenhum título que se sobreponha a isso. Caso eu seja seu filho, parente, amigo, colega, funcionário, ex-namorado ou decepção vigente, aqui nada disso importa. Sou um escritor, fatídico e desolado, embora a

Casal que vive brigando não tem crise

A primeira DR do mundo certamente começou quando Adão respondeu Eva sarcasticamente enquanto eram expulsos do Jardim do Éden por terem sucumbido ao fruto proibido. Eva : E agora, o que faremos? Adão : Não sei. Quer comer alguma coisa? Até aquele momento tudo havia sido criado por Deus. Discutir relação, no entanto, foi a primeira obra colaborativa do mundo. E se de fato foi assim que começamos, não há como fingir surpresa diante de qualquer briguinha cotidiana. Sobre nunca responder as mensagens no WhatsApp, esquecer a data do aniversário de namoro, deixar a louça suja para o outro lavar, bater com força a porta do carro, apagar fotos, não atender ligações, acusar o outro de ser egoísta, dramático, grosso, insensível, preguiçoso... Insira aqui o motivo da última briga que teve com ele(a), e sinta-se reconfortado por já estarmos no fundo do poço. O pecado original nos tornou humanos, ou seja, as coisas não vão melhorar muito. Humanos são seres sensíveis com emoções com

A insustentável leveza do crescer

Ninguém em sã consciência escolheria ser adulto. Os boletos, os compromissos, as trinta e cinco tentativas de acionar o “soneca” para evitar o despertador todas as manhãs. Equilibrando a alimentação ruim com o sobrepeso, as noites mal dormidas com as olheiras, as dores de cabeça com os fones de ouvido para fugir de estranhos no ônibus que pouco a pouco se tornaram familiares. Relembrando os tempos de colégio a cada reencontro com um semi-conhecido, e suspirando fundo ao quase esbarrar com um colega de firma a caminho do banheiro. Talvez seja o cinismo que só um jovem adulto às vésperas dos 27 anos é capaz de desabafar, mas nem isso diminuiria a verdade da afirmativa: ser adulto não é para qualquer um. Por isso há anos defendo minha própria teoria: adultos não existem. *** O maior ato de caridade direcionada ao meu ego que recebi atualmente foi o de uma professora nova. Entre normativas pedagógicas e genuíno interesse para saber exatamente com quem ela estaria lidando pelo

A dor maravilhosa

Esta é uma história sobre ironia. Claro, outros gêneros literários também ilustraram alguns capítulos: uns foram romances, outros foram aventuras, boa parte foi repleta de suspense, e a maioria não passou de thrillers psicológicos... Mas em se tratando de definições, nada faz tão jus à vida que passou por mim, a que está ao meu redor, e provavelmente a que ainda está por vir, do que a ironia. Infame, indiscutível, impiedosa ironia. E como já é de costume, a moral da história só se torna clara quando chega ao fim. Por isso só é engraçado para mim agora quando digo que, depois de anos de piadas de mau gosto e comentários sarcásticos jogados ao vento, posso dizer com certeza o seguinte: estou morto por dentro. *** Se você ainda não conhece a história, bom... O que exatamente está fazendo aqui? Eu não escrevo devaneios independentes há anos. Isso é uma história recorrente, assim como a vida ao redor dela. E tão quanto a vida, é necessário manter-se atento e ciente do que j

Nós

A verdade é que ninguém realmente saberá responder à eterna pergunta: “ o que faz um relacionamento funcionar? ” O mesmo pode ser dito sobre suas variantes: “ estou em um relacionamento saudável? ”, “ é isso mesmo que eu quero para a minha vida? ”, “ quando se sabe que tal pessoa é de fato a pessoa? ”. Eu li certa vez em algum lugar sobre como você realmente se descobre como pessoa pelo modo de criar seus próprios filhos. Apesar de ainda não ter a experiência em arquivo, eu prefiro pensar que existe um estágio anterior a este. Um bem mais antigo e registrado por sociólogos, psicólogos, antropólogos, e quaisquer outros especialistas que estudaram para adicionar o sufixo “ ólogo ” ao seu título. Você se descobre mesmo a partir do outro. Ou, melhor dizendo, a partir de momento em que duas pessoas completamente diferentes – com endereços distantes, educações paralelas, dotados de uma constelação de amigos, familiares e ex-pessoas que vieram antes – decidem assumir a posição mais

O que eu escrevi por amor

Talvez a tragédia de qualquer escritor more ao lado do seu suposto talento de traduzir a vida ao seu redor em palavras. Porque é um talento invariavelmente posto à prova em rascunhos envelhecidos numa gaveta do criado mudo, ou escondidos em uma pasta oculta do computador. Palavras que envelhecem mais rápido do que seu autor, com o passar dos anos, cuja mensagem original cede seu lugar para outros sentimentos mais atemporais do que o preferível: arrependimento, inocência, saudade. A meu ver, escrever nunca foi um gosto a ser aperfeiçoado a cada artigo científico que precisei escrever, ou a cada mensagem de aniversário que dediquei a um amigo. E, definitivamente, não foi algo afinado a cada declaração de amor que divulguei por aí. A tragédia de qualquer escritor é ter um histórico de mensagens ao seu dispor. O que um ego reúne para a posteridade, ele destrói na mesma intensidade. Toda vez que relê o que deixou marcado numa folha de papel de outrora, e se depara com a frequência

Eu ainda estou aqui

A vida é muito curta. Quando eu penso sobre todas as cidades nas quais morei, todos os empregos que tive, todas as ruas por onde andei, até todas as pessoas que conheci, é difícil concordar com autores como T. S. Elliot. “ A vida é muito longa ”, ele escrevera. Talvez seja uma questão de perspectiva: eu não teria um histórico tão abrangente na memória, se a vida não fosse tão longa. Mas o que explicaria então, escrever sobre essas coisas no tempo passado? Ou quem sabe, a vida não tenha sido feita para ser definida. O que explicaria, ironicamente, porque as cidades, os empregos, as ruas e as pessoas sempre mudam. “ Que seja eterno enquanto dure ”, já dizia Vinícius de Moraes. Convenhamos que um autor nada mais é do que alguém com tempo demais em mãos. O que eu quero mesmo dizer, independente de qual for o tempo que esta vida dure, é isso: até que se prove o contrário, esta é a sua única chance de fazer o que quiser. O projeto em si é brilhante: você sabe para onde está caminhan

Medianeira

Dez minutos. Este deve ter sido o tempo máximo durante o qual o ônibus ficou parado na rodoviária. Mas eu não precisei procurar por nenhuma placa que me informasse aonde estávamos. Eu senti um arrepio na espinha quando olhei de relance por uma das janelas e reconheci aquela parte da estrada. Entre o mundo novo e o antigo, há sempre um lugar por onde o caminho se desdobra.  Eu sabia exatamente aonde estava e, principalmente, quem estava por perto. Alguém que desapareceu para mim desde o último calendário. Alguém que, ao que recordo, nunca quis que eu estivesse naquele lugar.  Alguém que, entre falsas promessas e dedos cruzados, partiu meu coração.  Por cerca de dez minutos, eu perdi o fôlego. A verdade é que eu não conhecia a cidade - nunca adentrei seus limites, nunca percorri suas ruas, e nunca conheci o seu centro. Há quem diga que haviam mais paralelos entre você e a cidade do que um mero olhar pela janela de um ônibus era capaz de perceber. Eu mesmo costumava pensar que

O outono do amor

Eu sempre considerei o outono como o ensaio geral para o inverno. É a época de transição entre o fim temporário das peles expostas ao sol fins de tarde na beira de um bar, e o começo do nosso reencontro com os cobertores que passam meses guardados em cima do guarda-roupa e as blusas que hibernam enterradas dentro dele. E de todos os cafés e taças de vinho que acompanham a estação mais impiedosa do ano. Mas que, pelo menos, compensa por fazer durar mais os perfumes e embelezar um pouco mais a cidade com aquele tom levemente melancólico e nostálgico que só o ar ridiculamente rarefeito consegue produzir. É durante esta época transicional, em que as folhas das árvores caem para que possam florescer ainda mais belas na primavera seguinte, que as pessoas podem se inspirar a realizar algumas mudanças em suas vidas também. E para alguns poucos sortudos em especial, esta pode ser a hora de dar um tempo com os bares e as madrugadas em claro para passar mais tempo dentro de casa e debaixo