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A velocidade máxima


Talvez um dia eu aprenda que nada do que a gente faz tem a ver com velocidade. Não, senhor. Tem a ver com qualidade, com garra, com perseverança e, nesses casos, com a distância que você percorre. E eu já deveria saber disso, se não fosse por algo chamado “ego”. E por algo que esse negócio chamado “ego” é levado, chamado “competição”.
   Uma das minhas metas para 2015 foi aprender a correr. Mas correr mesmo; deixando celular desligado em casa, música no volume máximo nos ouvidos, e nada além de uma longa pista a ser percorrida ao alcance dos meus olhos. E assim eu fui, dia após dia, semana após semana, mês após mês. Até que dois meses e seis quilos a menos depois, eu consegui começar a vislumbrar que estava começando a chegar a algum lugar. E talvez qualquer outra pessoa no meu lugar ficaria feliz com isso. Mas eu não, é claro. Eu achei pouco. E eu achei que poderia chegar mais longe. E é exatamente esse o problema que eu carrego comigo ultimamente, a medida em que ultrapasso as distâncias demarcadas no chão da pista em que me obrigo a superar a cada dia um pouco mais de metragem para conseguir dormir mais sossegado. Ou, no mínimo, mais acabado.
   Só que isso não é jeito de se levar a vida. Nem de longe, por mais longe que você consiga chegar. Porque a verdade irritante é que sempre haverá alguém mais perto de tocar o pôr-do-sol do que você. Alguém que acordou mais cedo, ou que saiu antes de casa, ou que simplesmente está correndo há mais tempo que você nesta pista curvilínia e repleta de obstáculos chamada “vida”. Ou apenas na mesma pista em que você tenta correr nos seus fins de tarde nas proximidades do seu barro. Enfim, permanece a metáfora.
   A questão é que não importa o quanto você corra enquanto você não tiver uma direção a seguir. Para mim parecia fácil sair aleatóriamente em direção ao pôr-do-sol na esperança de deixar alguns quilos para trás e, quem sabe, alguns problemas também. E por mais que se torne mais fácil abandoanr algumas calorias para trás assim, nossos problemas são um pouco mais insistentes ao nos alcançarem na corrida. Porque tem certas coisas das quais você não pode fugir; especialmente as que fazem mais parte de você do que você gostaria de admitir. Como essa necessidade incessante de estar sempre à frente dos outros, ou de ser o primeiro a cruzar a linha de chegada e a sediar o pódio da vitória. Como se isso significasse alguma coisa além de uma competição oficial. Como se na vida entregassem troféus para o primeiro colocado. E não é bem assim que funciona.
   Às vezes o primeiro colocado chegou até ali por sorte, ou por conveniência, ou talvez até mesmo por determinação. Mas nada é tão regrado ao ponto de definir alguém como “vencedor” somente porque chegou primeiro, ou simplesmente porque chegou. As variáveis para isso são infinitas, e vez por outras nem tem tanto a ver com mérito. São sequelas de um mundo imperfeito, ou apenas de uma corrida maluca da qual todos nós fazemos parte, mas sobre a qual nenhum de nós realmente pode vencer sob os outros.
E quem sabe um dia eu aprenda que a vida não tem nada a ver com velocidade, mas sim com paciência. Com determinação e vontade, sim. Mas acima de tudo, com paciência. Com saber manter o ritmo, e saber aonde se quer chegar. E quantas vezes eu já não me peguei tirando fôlego do meu limite para ultrapassar alguém que cruzou o meu caminho, só porque ele apareceu na minha frente. E depois de ultrapassar, aonde eu parei? Apenas alguns passos à frente, pouco antes de ser deixado para trás de novo. Isso é a vida. Esse ciclo de curvas, desvios e obstáculos no qual estamos todos tentando sobreviver. E não adianta querer ser o que corre mais, ou o que chega primeiro ao pódio, porque cada um é cada um, e a sua meta não é a mesma que a minha.
   Talvez eu só queira chegar um pouco mais longe, ou quem sabe um dia eu finalmente perceba que estou feliz exatamente aonde estou. Eu ainda não sei, mas confesso que parte de mim sente que nasceu para correr, e somente agora está se dando conta do que isso realmente significa. Mas apesar da velocidade, coloque isso na sua cabeça, Igor: corra, mas não se esconda. Acelere, mas não fuga. Ultrapasse, mas não se perca. Eventualmente tudo o que for para ser seu, vai encontrar o caminho para chegar até você. Isto é, se você não estiver distraído e passar reto por aquela oportunidade. Não há nada de errado em aproveitar o caminho a ser trilhado. Muito menos, a aproveitá-lo em um ritmo que seja confortável para você, não para tentar se manter com quem passa correndo por você já sem fôlego e sem rumo.
   Eu nasci para correr. Só me falta saber para onde ir.

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