Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2015

Do dia pra noite

O que provavelmente foi o momento mais marcante que poderia simbolizar os meus seis anos morando em Cascavel, foi aquele que vivi antes mesmo de chegar aqui. Eu me lembro de encher o carro do meu pai com a minha mudança, de andar até a porta do carro e de esticar a mão para abri-la, até que algo me impediu. E por um instante eu fiquei ali, parado e pensativo, até que me virei para o meu pai e perguntei: - Isso vai dar certo, pai? E foi aí que meu pai suspirou fundo, revirou os olhos e levantou as sobrancelhas com sincero cansaço, e deu a resposta que serviria para estabelecer o tom de toda aquela mudança de vida que eu estava fazendo: - Entra logo no carro, Igor. É. Eu deveria ter desconfiado desde então que era assim que o mundo real ia ser. *** Seis anos atrás , tudo o que eu queria era que acabasse logo. Aquela faculdade, aquela estranheza, aquela saudade imensa que eu tinha de tudo que até então configurava a minha pequena e infame vida adolescente. Eu

O soneto da separação

Anteriormente... “ O soneto da fidelidade ” ( parte 1 – parte 2 ) É o que eu sempre digo: ironia nunca é por acaso, é destino. No meu caso, foram anos observando de longe a minha mãe, atenta e dedicada, sentada à mesa da sala com seu pequeno caderno de anotações em mãos, reescrevendo o que, em sua sincera opinião, foi a magnum opus do Vinicius: o soneto da fidelidade. Ela o fazia porque o considerava inspirador ao ponto de se tornar dogmático, e talvez até mesmo fosse - visto que foi o que originou a minha empreitada ao longo de outros poemas, contos e crônicas nas quais eu passei a basear não apenas o meu tempo livre, mas toda a minha vida ao redor dele. O máximo que pude, ao menos, dentro dos limites do bom senso e da licença poética. Voltando ao destino, que é um gozador com péssimo senso de humor, foi este quem me levou ao encontro do que viria a ser a contracapa da história de como decidi tornar-me um escritor (assim espero) ao me deparar com a peça final deste que

Uma chamada perdida

Já deve ter acontecido com você. Estar caminhando pela rua a esmo quando toca o celular. Você o tira rapidamente do bolso com duas expectativas diferentes: de que seja o amor da sua vida, que finalmente encontrou o número do seu telefone, ou a sua mãe pedindo que você passe na padaria a caminho de casa porque acabou a farinha de rosca. Mas quando você encara o visor, se depara com um número aleatório qualquer, que disparou o seu ringtone no volume máximo - afinal, você estava esperando o amor da sua vida finalmente te ligar, e interromperia qualquer coisa para atendê-la. O que você faz agora? a) Atende sem compromisso para descobrir quem está do outro lado da linha, caso contrário a curiosidade e o temor do desconhecido acabariam por envenenar as suas noites pelo resto da vida. b) Não atende, pois caso não seja alguém cujo número você já tem salvo, então se trata de alguém com quem você não deseja falar - porque, afinal de contas, você tem o número do amor da sua vida salvo

Atravessar

Dizem que são nos momentos difíceis em que nós descobrimos exatamente do que nós somos feitos. Que a força que realmente temos, dentre outras virtudes encobertas pelo fluxo rotineiro de serotonina no nosso organismo, permanecem em inércia até que algo impulsione aquela adrenalina comovente que nos faz superar distâncias, encarar desafios e etc. Mas pra ser sincero, quando se está empenhado em superar ou encarar qualquer coisa, quem de nós realmente pára pra refletir sobre o quão resiliente está sendo naquele exato momento? Eu prefiro acreditar que as lições aparecem mesmo de repente, em uma tarde chuvosa de um dia aleatório, quando se está voltando do trabalho carregando um guarda-chuva meio entortado pelo vento insensato e sacolas com materiais de limpeza e um jantar congelado para microondas, que algo irá te lembrar do que passou e o que aquilo significou. Exemplos corriqueiros e aparentemente insignificantes, mas que passam sutilmente por você – porque para quem já enfrentou

A cidade e eu

Cascavel e eu nunca tivemos um relacionamento perfeito. Mas desde a primeira vez que a conheci, havia algo cativante em seu olhar. Algo que até hoje ainda me chama a atenção. Como se houvesse algo a ser descoberto, e a resposta estivesse em algum detalhe da linha do seu horizonte. Parecia ser algo tão afrodisíaco, tão cativante, tão chamativo... Tão cheia de possibilidades... Eu precisava saber mais sobre ela. Explorar seus limites, conhecer seus domínios, fazer parte do seu mundo. E alguns anos depois, foi exatamente isso que eu fiz: eu me mudei para cá. Assim como qualquer relacionamento, a novidade acaba. O movimento cessa, o calor esfria e a monotonia se instala, dando lugar à insatisfação, a impaciência e a dúvida. Será que eu fiz a escolha certa ao deixar tudo para trás? Em abrir mão de tudo o que eu já havia conhecido, só pela chance de que pudesse haver algo a mais naquele novo horizonte? Eu não sabia dizer ao certo – só sabia que era tarde demais para voltar atrás. E fo

O aviso prévio

Nem tudo acaba. Um dia eu ainda vou aprender, de uma vez por todas, que as coisas são menos definitivas do que eu acredito que elas sejam. Que os objetos na visão do retrovisor podem aparecer maiores e mais significantes do que eles realmente são. E que, incrivelmente, nem tudo acaba. As coisas só... Mudam. E eu já tive tantas oportunidades de me permitir aprender isso. Mas parece que quanto mais algo está diante de mim, mais eu procuro por outra interpretação. No mínimo, este é alguém que não gosta de ser contrariado, dado que o que está em sua frente não lhe agradou muito e outro significado precisava ser encontrado. Ou, no máximo, este é alguém que não sabe deixar a vida ser... Simples. Leve. Flutuante. O ano mal passou da metade, mas a quantidade de desfechos que eu já carrego comigo parecia ser demais para ser verdade. Claro que nem tudo são epitáfios; muita coisa também começou. Mesmo sendo conhecido por deixar coisas boas passarem reto por mim, outras acabaram ficand

Terminar é normal

ELA: Um dia eu vou morar aqui... EU: Pff. Ah, vai... E foi assim que começou. *** Alguns anos depois, ela me disse que tinha uma entrevista para ir. Uma vaga de estágio imperdível, e que precisava de pouso. E é claro que ela podia ficar aqui; a entrevista era bem cedo, e pra quem pegava o ônibus de volta para outra cidade todas as noites após a faculdade, seria muito mais fácil já estar por aqui. E ela ficou. *** Quando ela conseguiu aquela vaga, me mandou uma mensagem perguntando se poderia ficar aqui por alguns dias. Duas semanas no máximo, só até encontrar um apartamento. E por um momento eu senti um aperto: seria pedir demais da minha já demasiada zona de conforto. Um abuso da minha boa vontade, da minha privacidade preguiçosa, e da minha rotina solitária com a qual eu aprendi a lidar com o passar dos anos. Mas seriam só duas semanas, Igor. Que motivos você tem para dizer “ não ”, realmente? É claro que você pode ficar aqui. *** (Um mês depois)

A zona de conforto

Existe uma diferença bastante suave entre estabilidade e estagnação. Tal diferença que eu só fui capaz de compreender mesmo quando finalmente me peguei preso entre as duas coisas – e me sentindo perdido ao mesmo tempo. Eu entendo que as coisas acabam. Repeti isto incansavelmente até que todas as coisas, bom, acabaram de fato. E assisti os rostos pelos quais eu passava diariamente se dispersarem nas multidões do mundo afora, enquanto nossas lembranças se espatifaram no chão a medida em que cada um de nós decidiu trilhar um caminho diferente após o apocalipse de luz e fúria chamado de formatura pelo qual nós esperamos por tantos anos, e pagamos tantas parcelas de carnês, só para descobrir que estávamos mesmo mais desprevenidos do que poderíamos imaginar. Quanto a mim, a minha imaginação só conseguiu ir até a definição de qual música eu escolheria para tocar na minha entrada para a festa. Algo épico, grandioso, lendário. E, por conseqüência, definitivo. Até aí eu já escrevi basta