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Mostrando postagens de fevereiro, 2014

A barata no banheiro II: a vingança de Clarice

             Eu não acreditei quando a Joyce me contou , mas parece que é verdade. Quando a Clarice ( Lispector , para os entendedores menos íntimos) escreveu o romance A Paixão Segundo G.H. em 1964, ela realmente se inspirou em uma barata. Se foi uma barata que apareceu em seu banheiro durante um momento em particular de fraqueza durante uma madrugada de Domingo, como no meu caso, eu não sei. Mas que ela tirou um best-seller disso, tirou, e com isso eu - obviamente - não pude deixar de pensar em mim. E de quando eu finalmente escreveria o meu best-seller sobre a vida, sobre romances... Talvez não necessariamente sobre a barata que apareceu no meu banheiro e as lamúrias existenciais que ela provocou em mim, que por sinal não foram tantas assim. Só o bastante para revisitar todo o meu passado em questão de segundos - como quem é quase atropelado por um ônibus e supostamente vê toda a vida passar diante dos olhos - antes de finalmente conseguir acertá-la com o chinelo.           

A resiliência do meio-fio

  Resiliência : capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações aversivas sem entrar em surto psicológico. Mas apesar da descrição bem clara que o Deus Google me trouxe, nada nem ninguém vai superar o modo como eu realmente descobri o que significava ser resiliente: através do Vanderlei e a Honda Biz-125 problemática dele.   Dia desses, Domingão de sol, Vanderlei saiu da sua casa lá do outro lado da cidade para visitar sua namorada, Adelaide . Caso você ainda não tenha percebido, estamos falando daqui de algo que aconteceu com um amigo de um amigo meu que, obviamente, não se chama Vanderlei , nem assumiu algum compromisso sério com uma Adelaide . Enfim, lá estavam eles, sendo felizes de mãos dadas e pernas encostadas, ao som de Faustão e funk que empobrecia a vizinhança barulhenta lá fora.   Mão aqui, mão ali, mão acolá só depois do casamento, Vanderlei percebeu que já estava tarde e precisava ir pra casa. Mas quando mont

A teoria das mãos dadas no shopping

Baseado, teoricamente, em fatos reais. Ou não. Quatro amigos em um bar, já na quinta rodada de cerveja. Uma mulher morena, alta e generosamente encorpada passa por eles. Amigo #1 , o pega-todas: Viu só aquela ali? Amigo #2 , o desligado: Aonde? Amigo #3 , o filósofo: Aquela que acabou de levantar pra ir ao banheiro e passou por aqui. Igor , o paranóico facilmente impressionável que vos fala: Que bunda! ( Obs.1 : O termo utilizado não foi “bunda”, mas foi modificado aqui para fins educativos ) Amigo #1 : O que achou, Igor? Igor : Gata, hein. De baixo pra cima, não de cima pra baixo. Não consegui ver o rosto dela. Amigo #3 : Melhor não ver. Não perdeu nada. De baixo pra cima, de trás pra frente só. Frente e cima, acabamento pobre. Baixo e trás é onde o ouro está. O Amigo #2 concordou em silêncio Igor : Mesmo assim, parece gata. Dá pra perder um tempo. Uns 10, 15 minutos. Uns dois ou três meses, quem sabe. Nada sério. Sabem da minha teoria de que namorar seria

Os três segundos

             Poucas coisas me remetem tanta raiva como quando o YouTube trava. Quer dizer, você se compromete com um contrato de internet que te dá sei-lá-quantos-mas-eu-lembro-que-é-bastante megabytes de velocidade, carrega o Facebook , o e-mail, três abas de pesquisas diferentes no Google sobre assuntos insignificantes, até finalmente se lembrar daquela música que você ouviu no trabalho e decidiu reservar um tempo para escutá-la propriamente.             Aí você abandona tudo e vai pro YouTube , que te obriga a assistir cinco segundos de um anúncio qualquer - PS. saudades da era pré-anúncios do YouTube , quando éramos mais felizes e menos perturbados com propagandas com o inglês agonizante de Joel Santana ou de alguma webnovela sobre um casal de jovens japoneses - mas que você perdoa porque sua vontade de ver o vídeo é maior do que sua frustração com a ascensão do capitalismo virtual. Passados os tortuosos cinco segundos, o vídeo finalmente começa, toca três segundos e trava

O horário de funcionamento

             Eu decidi que este vai ser o meu ano . O ano das mudanças. O ano de deixar o que já foi, realmente ir, para que coisas novas apareçam em meu caminho e para pessoas novas aprenderem como se abre os dois portões – que, era uma vez, foram automáticos – do meu prédio. E eu decidi isso do mesmo modo que decido um lema para todos os anos.             Em 2009 a meta era abraçar o desconhecido, em 2010 foi tentar limpar a bagunça que 2009 fez, em 2011 foi decidir tirar tudo do lugar de novo porque não era mais possível que as coisas dessem tão errado, e 2012 foi misto: foi a limpeza e a desordem em um ano só, e parecia tudo tão indescritível que até hoje eu ainda não sei explicar porque. Apesar dos apesares, 2012 tirou uma nota boa o bastante para ser aprovado como um bom ano – mesmo que tenha sido o ano em que não publiquei uma palavra sequer por aqui. E então veio 2013, que me trouxe de volta, deu alguns loops que me deixaram surpreso e enjoado, mas que, convenhamos, també

O pseudo-carpe diem massificado

Eu queria ser uma boa pessoa. Talvez, nem sempre. Mais vezes do que eu deveria, confesso que prefiro praticar atos específicos de maldade em vês de ações aleatórias de bondade, como cutucar o ombro de alguém e aparecer do outro lado discretamente, ou fazer ruídos incompreensíveis na forma de quem está tentando dizer alguma coisa, só para o coleguinha perguntar " o que? " e ficar com cara de besta quando eu mostrar a língua pra ele. Não, não é algo emocionalmente maduro de se fazer. A verdade é que, entre abandonar rancores e tentar ignorar meus instintos imediatos de lógica e de fazer coisas que tenham sentido, eu andei praticando a arte milenar de reconhecer o que uma pessoa emocionalmente madura faria em determinada situação, só para fazer o contrário. Pode não ser muito saudável, e sem dúvidas não deixarei um mundo melhor para os meus netos através disso, mas por ora tem sido deveras libertador. Tudo isso é bobagem, claro. São só palavras digitadas ociosamente por um

A infância desbloqueada

          Eu fui uma criança de sorte. Por um lado isso é bom, mas por outro significa que tenho muitos anos de constrangimentos e decepções a serem sentidas, amarguradas e epicamente superadas ainda por vir. Tudo começou porque, ironicamente, eu tinha que fazer uma coisa chata de adultos: ir ao banco buscar o cartão de uma conta-corrente que precisei fazer para receber o salário do estágio e gastá-lo com, bom, criancices – o que deixa tudo ainda mais irônico. Eu já disse que a ironia me persegue? Tome cuidado quando estiver comigo, pois estará sujeito a alguma situação digna de ser recontada aos risos em uma mesa de bar, ao mesmo tempo em que estiver bebendo para tentar amortecer a experiência.             Mas está quase tudo bem comigo. Sempre está quase tudo bem comigo, e dessa vez o “ quase ” envolveu meus problemas típicos com portas giratórias de banco, alienação acerca de quais dos meus pertences travam o detector de metais (“ Senhor, tenho algumas moedas no bolso da minh

O psico-lípse

             Quando eu disse que queria passar no shopping antes da aula pra comprar um caderno, a Lia imediatamente acatou a ideia. Aliás, essa é uma das coisas que sempre uniram eu e a Lia, além do humor tragicômico: a companhia para criar momentos especiais. Desde momentos infames, como apostar corrida ao deslizar por uma rampa da faculdade usando pufs como carrinhos de kart (e existe um vídeo disso salvo em algum lugar dos confins do computador da Lia, que obviamente ela postou no meu último aniversário), até o de passar no shopping antes da aula para comprarmos cadernos.             Porque não era só mais um dia de aula, e não era só um caderno. Era o último primeiro dia de aula, e o último caderno que a gente ia ter. Eu já deveria ter me preparado melhor quando saí de casa para me deparar com toda a inevitável nostalgia, até porque a faculdade fica no caminho do shopping. E com exceção de alguns desvios de percursos para voltar pra casa, foram três meses sem passar por a