Entre Cascavel e Londrina, o mundo novo e o antigo, existe um lugar sobre qual eu nunca comentei, e talvez seja porque eu nunca pensei que sentiria falta. Eu brinco muito com meus novos amigos de Cascavel por terem vindo ou ainda morarem em cidades tão pequenas que parecem ser habitadas por uma família só e que raramente conseguem ser apontadas em um mapa, mas a verdade é que eu também faço parte dessa vida. Cambé é um município adjacente à Londrina onde moram aproximadamente 97.000 habitantes, menos um que agora passa grande parte do tempo indo e voltando de lá para cá.
Eu nunca gostei de Cambé, e minhas divergências com a pequena vila só cresceram à medida que fui obrigado a me mudar para lá. Meus avós moraram lá por grande parte de suas vidas mesmo tendo todos os vínculos possíveis com Londrina, mas optaram por morar lá para fugir um pouco da barulheira e a bagunça da cidade grande. E foi aí que os problemas começaram; eu adoro a barulheira e a bagunça da cidade grande. Cambé possui uma frota de ônibus única, até porque os ônibus convencionais de Londrina jamais ousariam atravessar o pontilhão que separa as duas cidades, assim como alguns taxistas menos corajosos. E enquanto demorava-se quinze minutos para chegar de um ponto a outro dentro da cidade, em Cambé os ônibus demoravam quarenta minutos entre um e outro; o que tornava a ida do vilarejo à metrópole em uma verdadeira viagem. Como eu nunca tive muita paciência para esperar tanto tempo, um dia tive uma ideia: será que chego mais rápido se eu for a pé? Aquele foi, definitivamente, o auge das minhas caminhadas, e apesar de ter chego pouco antes do ônibus, pelo menos serviu para me conformar de que as duas cidades na verdade não estavam tão distantes. E fiz isso duas vezes, para ter certeza.
Sobrevivi em Cambé por cinco meses antes de decidir trilhar minha vida universitária em Cascavel – afinal, já que precisava pegar ônibus para chegar à Londrina, resolvi pelo menos viajar em um ônibus que valesse a pena, e que saísse de uma cidade que tem pelo menos um McDonald's. Mas mesmo quando alguns recessos me permitem voltar à cidade aonde ainda pretendo morar de novo, a primeira parada é sempre em Cambé – na casa da mamãe e da vovó. E mesmo quando a família se reúne, é sempre lá que nos encontramos. Quem diria que naquela cidade que nenhum de nós gostava de ir, acabou se tornando uma fonte de tantas histórias? Olhe só para nós: a mais nova acabou de entrar para a faculdade de administração, mas está meio revoltada porque o comitê de cervejadas ainda não a aceitou; outro está cursando direito enquanto um de nós já é formado na área, mas acho que é sempre bom ter mais advogados à disposição. Outra é uma obstetra de sucesso, que está no meio da sua primeira gravidez. Tem ainda a vovó, que reclama muito quando todos se reúnem e fazem barulho, mas que no fundo adora ver todos felizes ao redor da mesa. E eu... Eu não moro mais lá, mas faço questão de que todos venham almoçar em casa quando apareço nas férias.
E enquanto eu continuo em Cascavel, estudando e batalhando para quem sabe um dia voltar a morar em Londrina, Cambé continua sendo meu porto-seguro entre os dois mundos nos quais eu tento viver em harmonia, e mesmo com todo o meu suposto desprazer de estar lá, é uma cidade que nunca me desaponta. Até mesmo quando chego bêbado, sempre consigo encontrar o caminho de casa e acho que devo isso às pequenas ruas do município. Irônico mesmo é ter nascido no Hospital de Londrina, que ficava em Cambé, mas que como leva o nome de outra cidade, esta é a que consta na minha certidão de nascimento. E na hora de ir embora, é preciso cruzar a cidade de Londrina para chegar até a rodoviária, só para avistar minha pequena cidade natal da janela do ônibus enquanto ele toma o caminho da rodovia que passa por lá. Quem diria? Estive renegando Cambé esse tempo todo, enquanto Cambé na verdade sempre existiu em mim.
Igor Costa Moresca: vim de uma cidade pequena, mas tive que me mudar. Meus sonhos eram grandes demais para aquele mundinho. Só me sobrou o mundo real mesmo.
Ao som de: In the Real World – Roy Orbison.
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